Brigas entre papas e reis

“- ... Consigo ler poesia e peças de teatro, e coisas do tipo não detesto relatos de viagem. Mas não consigo interessar-me pela história, a história mesmo, solene. A senhorita consegue?


- Consigo. Adoro história.


- Eu gostaria de adorar também. Leio um pouco por dever, mas não me diz nada que não me irrite ou me canse. As brigas entre papas e reis, com guerras e pestes, em cada página; os homens não valem nada e as mulhers quase não aparecem... é muito enfadonho e, mesmo assim, sempre acho estranho que seja tão estúpido, pois boa parte deve ser invenção. As palavras postas na boca de heróis, seus pensamentos e planos... a maior parte deve ser invenção, e invenção é o que me agrada nos livros.”


(AUSTEN, Jane. A Abadia de Northanger. São Paulo: Martin Claret, 2012. p. 132)


O prazer de um bom romance....

“Na manhã seguinte, fez um dia lindo, e Catherine se preparou para novas investidas do grupo reunido. Os Tilneys vieram buscá-la na hora combinada; e como não surgiu nenhum novo obstáculo, nenhuma recordação súbita, nenhum chamamento inesperado, nenhuma intrusão impertinente para perturbar os seus planos, minha heroína, por incrível que pareça, pôde cumprir seu compromisso, embora com o próprio herói. Decidiram passear por Beechen Cliff, a nobre colina cuja bela vegetação de arbustos suspensos fazia dela um objeto tão impressionante quando vista de Bath.
– Nunca olhei para lá – disse Catherine, ao caminharem às margens do rio – sem pensar no sul da França.
– Já viajou para o exterior, então? – disse Henry, um pouco surpreso.



– Ah, não! Só me refiro ao que li a respeito de lá. Sempre me faz lembrar do país pelo qual Emily e seu pai viajaram, em Os Mistérios de Udolpho. Mas o senhor nunca lê romances, não é?
– Por que não?
– Por que eles não são inteligentes o bastante para o senhor… Os homens leem livros melhores.
Aquele que, homem ou mulher, não sente prazer na leitura de um bom romance deve ser insuportavelmente estúpido. Li todas as obras da sra. Radcliffe, e a maioria delas com grande prazer. Quando comecei a ler Os Mistérios de Udolpho, não conseguia largá-lo; lembro-me de que o li em dois dias… de cabelos arrepiados o tempo inteiro.”


(AUSTEN, Jane. A Abadia de Northanger. São Paulo: Martin Claret, 2012. p. 130)